Assim que entram os acordes iniciais do tema “Escrever Para Quê?”, a primeira faixa do álbum “Ordem Depois do Caos” de Bob Da Rage Sense, percebe-se desde então o que virá em seguida. Quando Fuse (Dealema) entra, reconhece-se o liricismo que é característico aos Mcs. Fuse é igual a si mesmo, cospe um verso típico dos emcees do Porto, emblemático e carregado de misticismo. Bob discorre sua verborreia num discurso contundente e abnegado que logo absorve o ouvinte.
Na minha opinião, “Escrever Para Quê?”
é a melhor faixa do disco, mas apesar de começar com a melhor música o
álbum não regista uma curva decrescente a medida que vão entrando os
temas seguintes.
Caro leitor, se o que lhe apaixona no rap são os conteúdos, a poesia, a capacidade dos rappers
em usar e “abusar” das palavras, os duplos sentidos e as metáforas,
então neste álbum encontrará seu oásis, pois a palavra (principal
elemento da música Rap) aqui é levada em conta e a sério.
Em todos os álbuns de Bob Da Rage Sense,
estes elementos se fazem presentes, mas mesmo quando a poesia não é
assim tão magistral, o que diga-se de passagem, é raro acontecer, Bob
encanta na mesma quanto mais não seja pelo flow e o à vontade que demonstra ao deslizar seu liricismo no beat.
Nota-se muita segurança no seu flow,
a construção frásica é impressionante, dá ideia que o rapper escolhe
sempre as palavras certas para transmitir a sua mensagem. Sabe sempre o
que dizer.
O tema “Já Não Lhe Reconheço”, com Celso Opp,
é um hino à cultura Hip Hop que segundo o artista, está irreconhecível e
desnuda da sua pureza dos anos de glória. Bob se mostra com uma
convicção hermética de que a cultura se apegou muito às coisas
materiais.
“(…) O Mundo que conhecemos está um
beco sem saída / uns cobrem-se de jóias para acreditar que são felizes/
forçam estados de lucidez temporários mas estão perdidos (…)”. Extracto do tema “Reflecte”
com a participação de Maura Magarinhos. Nesta faixa o artista reflecte
sobre temas quotidianos, mostrando a sua faceta de cidadão inconformado
com as injustiças sociais e que acredita numa verdadeira mudança.
Bob não aceita subordinar sua liberdade nem limitar sua inteligência à subserviência. Em “Viver A Beira Do Abismo”, o emcee apregoa isso mesmo quando diz: “(…)não me identifico com submissão(…)”. Com um discurso incisivo nos versos, Rage Sense dispara no coro: “eu
não me adapto a sociedade / ergo meu muro invisível onde encontro
criatividade / porque acredito que a individualidade é a força motriz da
minha personalidade”.
Bob Da Rage Sense
expressa-se perfeitamente pela sua música, continua com muita “raiva” a
atacar de uma forma adornada o “senso comum” da sociedade de maneira a
provocar mudanças no status quo. Armado só com a retórica, Bob
combate as desigualdades com o poder da sua oratória. É espectacular a
maneira como ele adjectiva algumas coisas de maneira magistral,
colocando a sua poesia muito acima da média. Nota-se também a cada faixa
o evidente crescimento do artista, em múltiplos aspectos, ao longo dos
tempos.
No tema “A Poesia Da Viajem” Bob Da Rage
faz viajar nossos sentidos por campos pouco frequentados. Ele tem essa
capacidade de “vaguear” tranquilamente por temas com mais BPM’s (beats
por segundo) como em temas mais pausados como é o caso deste, sem perder
sua essência.
Na faixa “Sem Escolha Possível”,
o artista afirma ser “coerente e inovador”. É verdade e nesta obra há
muitos exemplos disso, pois ela apresenta diferentes entoações musicais,
mas o boom bap está patente, coabitando perfeitamente com outras
sonoridades como RnB, Soul, Neo Soul, Jazz e até excertos de música
electrónica.
“Eu sou uma espécie de matéria-prima que a vida transformou em raiva e rima”.
Bob é uma mistura de diferentes influências que o acompanham desde
tenra idade, muito por culpa de seu pai que também era um apaixonado
pela música e transmitiu essa paixão ao filho. Ele é mesmo uma
matéria-prima que a cultura Hip Hop transformou, através do rap, em
poeta urbano e contemporâneo.
Bob
faz do seu trabalho, da sua arte o lugar da sua liberdade perfeita.
Estabelecendo aqui um paralelismo com a moda, diríamos que este trabalho
é alta-costura que vem tirar mercado a esses produtos prêt-a-porter.
A sua trajectória no hip hop em português nunca foi irrelevante, pois
ainda no álbum “Bobinagem”, já escrevia verdadeiros “pedaços de
história”, por isso pode mesmo gabar-se de seus trabalhos porque
acarretam muita qualidade na produção e pôs-produção.
Bob nunca se desencontrou com o seu estilo clássico e flow
apelativo. Ouvindo-o agora neste novo álbum consegue-se perceber que
tem algo que vem ainda do “Bobinagem”. É como vinho, melhora com o
tempo, deixando-o cada vez melhor.
Parafraseando o poeta português, Fernando Pessoa, que afirmou que “o fim da arte inferior é agradar e o fim da arte média é elevar“, só podemos presumir que a este trabalho de Bob Da Rage Sense é a arte superior porque nos vem libertar do caos no hip hop.
Com tudo que já disse anteriormente e
com o que ainda fica por dizer, só nos resta concluir, mesmo correndo o
risco de cair no cliché, que; Bob Da Rage Sense é um senhor músico, porque rapper só parece soar pouco!